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General da reserva Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) participa de cerimônia no Planalto, em 2020. Fotografia: Pedro Ladeira/Folhapress

O velho fantasma militar

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Lula tem a oportunidade única de virar uma página histórica na democracia brasileira: basta punir os militares que promoveram ou foram coniventes com o terrorismo golpista — seja por ação ou omissão.

Bolsonaro sempre foi parte do problema, não ele por completo. Há quase vinte anos, o Brasil protagonizou um processo lento, repetitivo e devastador de fracassos que nos trouxeram para o dia 8 de janeiro, quando um grupo de bolsonaristas extremistas invadiram prédios de instituições públicas em uma violenta tentativa de golpe de Estado.

A história é conhecida. Em um anseio equivocado de colocar o Brasil no protagonismo mundial, o primeiro mandato do presidente Lula começou uma política de investimento das Forças Armadas, depois disso, a errônea participação das forças armadas em operações de manutenção da paz da ONU, passando pelo uso descabido de decretos de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

Mas há mais, e talvez o pior: a impunidade dos militares que passaram a fazer política nos quartéis ou levavam aos quartéis, como no caso dos Clubes Militares, organizações com forte atividade político-partidária que muitas vezes funcionam quase como uma entidade de classe (sindicato). Pelo regramento militar, organizações como essas não deveriam ter qualquer vínculo com a tropa se não pelos reservistas filiados. No entanto, o próprio site do exército brasileiro publica constantemente há anos chamadas para eventos desses clubes em seu site.

Lava-Jato e governo Dilma

O próprio general Augusto Heleno causava problemas antes mesmo de se tornar chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Bolsonaro. Em 2008, Heleno foi convocado a esclarecer em Brasília as críticas feitas durante o seminário “Brasil, Ameaças à sua Soberania” em um Clube Militar. Ele definiu a política indígena brasileira como “caótica” e “lamentável”.

O catalisador foi em 2014, durante o segundo mandato de Dilma Rousseff. Por que Jair Bolsonaro conseguiu desde 2014 lançar sua possível campanha para presidente da República em uma turnê por quartéis ao redor do país, agitando tropas e arrastando cada vez mais generais para a política? E por que não houve nenhuma punição aos oficiais que permitiram e participaram disso?

Nesse cenário, apenas bastou a fragilização institucional consequente da Lava-Jato e um etílico Procurador-Geral da República (PGR). Essa fissura permitiu que militares se infiltrassem de uma vez por todas no debate político, que deveria ser exclusivamente civil. É nesse contexto que temos a projeção do general da reserva Augusto Heleno para a política, trazendo abaixo-assinados a Bolsonaro e páginas do Facebook como se fossem documentos perfeitos para criações de políticas públicas.

Não por acaso, em agosto de 2019, Thompson Flores, o desembargador responsável pela prisão de Lula, deu uma palestra no Clube Militar administrado por Hamilton Mourão, então candidato à vice-presidência. Jair Bolsonaro agravou o problema dos militares no seu governo, permitindo que se comportassem como reis, sem sofrerem nenhuma punição demandada pelo regimento militar ou lei.

O golpe foi dado quando aceitamos “notas” de militares na imprensa

Desde 2004, militares foram nutrindo um sentimento obscuro e pervertido que poderiam se tornar tutores da sociedade civil, árbitros que deveriam decidir pela sociedade e que o povo e a política seriam doentes demais para tomarem suas próprias decisões. Nos últimos vinte anos, a cúpula militar não emitiu nenhum pronunciamento contundente que trouxesse confiança ao público de que a instituição não planeja tomar o poder.

E nos últimos cinco anos, todo 31 de março — que deveria ser um momento para refletir sobre os erros da história nacional, além de sofrer o luto e honrar a memória das vítimas do regime militar — torna-se uma data tensa, acompanhada do silêncio indecoroso da cúpula militar.

Dar um golpe de Estado é muito trabalhoso, tanto nas relações exteriores, quanto na política nacional. O governo de Jair Bolsonaro mostrou que a maioria do oficialato militar não se difere do centrão, sendo apenas um grupo ávido por uma mamata no orçamento público. Se o centrão possui escândalos da Codevasf e de propina/corrupção em empresas estatais, os militares têm a compra de Viagra e próteses penianas superfaturadas.

Não existe nada melhor do que sequestrar a República, o presidente de plantão e fingir que está “salvando” a vítima de ser sequestrada. As ameaças ao Estado democrático de Direito ocorrem a todo momento que “militares/generais em condição de anonimato” ameaçam um governo legitimamente eleito com notas na imprensa — e a administração se submete.

Toda vez que autoridades não responsabilizam militares por crimes por medo de um “golpe”, como se fossem uma gangue poderosa que jamais será punida.

Não é necessário um golpe, apenas um Estado que esteja em permanente desconfiança, basta observar a postura tanto do público, quanto governo e outras autoridades, perante os militares no dia 8 de janeiro de 2023. Em novembro, as três forças assinaram uma nota conjunta defendendo que os ninhos de terroristas acampados em frente aos quartéis generais do Exército eram “manifestações populares”.

Na nota, até mesmo usaram uma interpretação torpe de um trecho da Constituição Federal para validar o argumento, algo que só pode ser publicado com chancela do alto-comando das Forças Armadas — que continua ali, apesar de os comandantes das três forças não sejam os mesmos desde novembro.

Além disso, também existem seguidos relatos e vídeos de bolsonaristas — e até mesmo de jornalistas infiltrados nesses acampamentos — relatando sobre o apoio material e logístico dos militares nas ocupações golpistas.

Até mesmo no próprio dia 8 de janeiro, o Exército montou uma cerca para evitar que terroristas fossem presos, alegando que familiares de militares estavam em meio aos manifestantes — como se isso fosse uma boa justificativa.

Linha de ação

Há somente duas hipóteses: oficiais de cada quartal agiram da forma que agiram no 8 de janeiro com certeza de que seriam respaldados pela cúpula militar ou estamos à beira da barbárie com uma onda de quebra de hierarquia na caserna.

Na noite após a insurreição, foi revelado que o general Júlio César foi capaz de enquadrar Flávio Dino, ministro da Justiça, após o ministro ordenar a prisão dos terroristas do acampamento em frente ao quartel general do Exército em Brasília: “Você não vai prender ninguém aqui”, disse ele. É possível dizer que cada ação de apoio aos acampamentos foi feita por oficiais com consciência de que eram respaldados por seus superiores.

Além disso, também existe a minuta golpista encontrada na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro. O decreto golpista pretendia criar uma junta de 17 membros para analisar o resultado das eleições, ou, em termos mais explícitos, dar um golpe de Estado.

Dos membros, 9 seriam militares, 8 do Ministério da Defesa e mais um membro da Controladoria Geral da União (CGU) que muito provavelmente seria Wagner do Rosário, um militar com passagem pela AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras). Tudo milimetricamente colocado para manter o clima de ameaça permanente.

Após a insurreição, entre os dias 8 e 11 de janeiro, nem os militares e nem a alta-cúpula do comando militar se pronunciaram sobre o caos em Brasília. Ficaram em absoluto silêncio, apesar de terem sido tão ativos e ativistas nos últimos anos. Não se pronunciaram nem mesmo para contestar e repudiar os pedidos de intervenção feitos pelos insurreicionistas. Nem mesmo os famigerados Clubes Militares se arvoraram em algo.

Subitamente, entre os dias 12 e 13 de janeiro, surgem inúmeras notas plantadas pela cúpula militar na imprensa brasileira. Manchetes com frases genéricas como “generais apontam problema em falas de Lula” foram frequentes, e apenas no dia 13, foram três notas em veículos diferentes. Por isso, onde se lê “nota”, pode ser lido também “ameaça”. 

O que mudou foi o aumento da pressão sob os militares e seu papel na insurreição em Brasília no dia 8 de janeiro. Na manhã do dia 12, o presidente Lula participou de um café da manhã com jornalistas, onde discutiu assuntos de política nacional e internacional, e conduziu duras críticas aos militares.

Nos últimos dias, centenas de militares foram exonerados de cargos públicos, e certamente mais virão na administração federal. E simultaneamente, haverá um festival de ameaçar feitas pelos “militares ou generais em condição de anonimato”. 

O Brasil atualmente se encontra em um momento único para não repetir os mesmos erros de 1989 e punir os militares que promoveram delinquência, seja por ação ou por omissão. Se não fizermos isso, estaremos apenas contratando a próxima enorme crise política. Lula tem a oportunidade de deixar a maior marca na história do país — que não é na economia, mas na democracia.

O presidente possui a oportunidade de acabar com a República da ameaça, colocando o país na legalidade. Sem anistia.

Sobre os autores

Cleber Lourenço

é observador e defensor da política, do Estado Democrático de Direito e da Constituição. Com passagens pela Revista Fórum, Congresso em Foco e Brasil de Fato.

Cierre

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Published in Análise, História, Militarismo and Política

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